segunda-feira, 27 de novembro de 2017

PROJETO AMARAMAR

Guardo com carinho as lembranças recentes deste projeto, um dos que mais me gerou satisfação ao vê-lo ganhar vida. O trabalho do designer, ao contrário do que muitos pensam, transcende o campo material. Ele aproxima emocionalmente as pessoas envolvidas, gera afeto ao que se está criando numa recompensa imensurável. Foi assim com a Casa de Cultura Amaramar, localizada no Terreirão (Recreio dos Bandeirantes), no Rio de Janeiro.

Desde o início, ao sair do encontro com os idealizadores da casa, Francisco e Lívia, pensamos numa representação que fosse um estado de espírito, mais sentimento do que algo literal. O painel na frente da casa (foto abaixo), desenhado por Francisco, foi inspirador para o conceito. A forma gerada e elevada à símbolo vai de encontro a ele, surge dele. Num pensamento poético, podemos imaginar que uma parte daquela pintura resolveu sair para habitar outros espaços, numa síntese dos sentimentos contidos e expressados ali. 

A forma orgânica, de fato, foi gerada a partir da letra
“a” de amaramar, do seu pleno e sublime movimento. O símbolo insinua, mas ao invés de acabar em si mesma, ela continua, gerando outra forma, que por sua vez continua, voltando ao “a”. Insinua, também, o infinito, a eterna busca. Já nas cores encontramos o mar (azul), o sol (laranja), as árvores (verde) e a alma (roxo), elementos interligados, conectados a essência da casa.


Criamos - num processo de coautoria, como sempre deve ser um projeto - uma marca que remete às curvas da vida, em ciclos que se abrem e se fecham e se abrem novamente, numa busca infinita pelo autoconhecimento, por novos saberes, sempre recheada de muita imaginação!

Obrigado à Daniela Andrade e amigos da Utilità (utilitaonline.com.br), por intermediarem o trabalho; obrigado ao casal Francisco e Lívia, por me permitir fazer parte dessa adorável casa.

Para conhecer o espaço cultural, acesse os links:

Abraços!

SOBRE IMATERIALIDADE, INTERAÇÃO E GAMES

É interessante observar a trajetória do homem em sociedade por meio dos artefatos projetados por ele em diferentes épocas para diferentes fins e como estes modificam e exercem influência no cotidiano. Com o avanço tecnológico e o emprego deste na criação de meios que passaram a facilitar atividades diárias e a promover outras no âmbito cultural e de entretenimento, vemos profundas e intensas transformações atingirem diversos campos do conhecimento na medida em que a relação do homem com seus artefatos transita do mundo material para o imaterial, saindo do experimento para a experiência, evocando aquilo que permeia e caracteriza de forma definitiva os rumos de nossa civilização: a interação.

Desde os idos dos anos 1960, quando Doug Engelbart mostrou ao mundo uma nova forma de interagir com o computador e como esta mudaria nossa maneira de vivenciar o imaterial ao criar um mediador entre as linhas de códigos e o usuário, a interface, e junto a ela um dispositivo que possibilitava movimentos na tela, o mouse, a perspectiva do indivíduo ultrapassara o mero estado inerte da passividade diante de uma fonte emissora de mensagens. Décadas depois, seguimos em direção à novos canais de informação provenientes da inserção do computador na vida cotidiana, seja num passeio por um grande museu virtual ou pelas mídias sociais.

O homem, como agente modificador, como aquele que promoveu intervenções materiais através dos tempos e se transporta para o ambiente imaterial, nunca se viu tão motivado a produzir e compartilhar suas diferentes manifestações – independentemente da área de origem ou do habitat onde residem , sejam elas textuais, imagéticas e/ou audiovisuais. Vemos que o envolvimento com aquilo que se cria não se dá apenas mediante a necessidade prática e imediata do uso ou da natureza da atividade em si, mas também através de uma profunda imersão no campo sensorial.

Em meio a essas manifestações, emerge àquela que vem se modificando e em franca ascensão, participando e alterando significativamente o cenário cotidiano ao promover o encontro da linguagem tecnológica virtual com a artística na construção de artefatos lúdicos, abrindo frentes para novos campos de interatividade, além da atuação profissional e diversos estudos e pesquisas na área da psicologia, da semiótica e da educação. Falamos do mundo dos Jogos Eletrônicos, cuja contribuição ultrapassa a esfera mercadológica ao infiltrar-se na formação do sujeito e na construção de seus valores sociais. São parte inerente do que convencionou-se chamar de cybercultura.

Dos primeiros dispositivos projetados no interior de laboratórios acadêmicos aos games cinematográficos e seus grandes eventos midiáticos; dos arcades e suas fichas, consoles e cartuchos acoplados à TV em frente ao sofá, computadores como dispositivo domiciliar e a flexibilidade proveniente dos portáteis, a trajetória dos jogos eletrônicos se confunde com a própria história da evolução tecnológica da sociedade. Se outrora reduzidos a passatempo com intuito de explorar a capacidade de processamento dos computadores ou a linguagem utilizada pelos programadores da época, hoje são artefatos projetados por equipes multidisciplinares tendo o designer como peça fundamental, cujo propósito é o de provocar sensações no usuário, de permitir uma experiência repleta de simbolismos, representações subjetivas e metafóricas em cenários dignos de produções hollywoodianas. 

Embora estudiosos do assunto, como Guilherme Xavier (2010), critiquem a supervalorização dos "gráficos incríveis com elementos meramente decorativos" aos quais este universo está atrelado atualmente, não podemos deixar de admitir que tal "decoração" exerce um forte apelo no processo de divulgação deste campo e na sedução mercadológica através do qual os potenciais jogadores são submetidos. Compartilho do pensamento de Xavier quando diz que há um "império da narratividade sobre o abstracionismo da experiência", colocando o jogo numa região que inibe a possibilidade de percebê-lo como evento lúdico.

É exatamente neste contexto que reside os paradigmas a serem rompidos no momento em que esta área do conhecimento passa a habitar a esfera acadêmica, e com ela a responsabilidade da universidade, do projeto pedagógico e do docente progressista quanto ao processo formativo do profissional como sujeito autônomo, reflexivo, crítico e competente em sua prática. A relação do educando com o projeto de jogos eletrônicos e da inserção destes na sociedade ganha contornos que transcendem os softwares, as linguagens de programação, os cenários, personagens e contextos, pois o introduz no pensamento científico, elevando seu status para aquele que pensa sua atividade por meio do conhecimento historicamente sistematizado, da construção de novos saberes e da consequente intervenção na realidade.

Trata-se de um campo que lida com liberdades e desejos do usuário, onde permiti-se através dos dispositivos e jogos – sejam estes narrativos (personagens e cenários) ou abstratos (elementos visuais desprovidos de relações teóricas) , que se exerça atividades que por diferentes motivos e circunstâncias não são ou não deverão ser praticadas no mundo material, mas capazes de gerar conteúdo que de fato provoque, promova, influencie e modifique a relação homem-artefato e a consequente experiência do nosso viver em diferentes instâncias sociais. 

Referências:
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GULARTE, Daniel. Jogos eletrônicos: 50 anos de interação e diversão. Teresópolis: Novas ideias, 2010.
JOHNSON, Steven. Cultura da interface: como o computador transforma nossa maneira de criar e comunicar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
XAVIER, Guilherme. A condição eletrolúdica: cultura visual nos jogos eletrônicos. Teresópolis: Novas ideias, 2010.