segunda-feira, 12 de março de 2018

DO OUTRO LADO DA JANELA

Falar sobre tecnologia, que avança e nos catapulta para um futuro cada vez menos fictício, já faz parte de nossa rotina, seja em algum campo do saber orientado para tal ou no vaivém das pessoas em seus diferentes cotidianos. A evolução cibernética corre a passos largos, no entanto, vejo cada vez mais que a essência do trabalho do designer está em observar e entender as relações humanas, suas nuances e contextos. Por vezes, parece-me, nos esquecemos disso.

Para aqueles que vivenciam, de fato, a profissão, isso deve soar relevante e indispensável. Mas será que para aqueles em que tudo se resume as facilidades de softwares e aplicativos, tal imersão ocorre de forma natural? Refiro-me ao ponto de partida, a origem da comunicação que será materializada num suporte, seja ele impresso ou digital. Onde está a alma do processo criativo? Na superficialidade de construir algo  alimentado por artifícios de quem faz sem saber para quem ou no 'fazer design' com conteúdo vindo da maior fonte de inspiração existente?

É clichê, para não dizer óbvio, mas falo de seres vivos, falo da vida que corre lá fora. O design, assim como áreas correlatas, caracteriza-se pelo ato de projetar com pessoas e para as pessoas. A iniciativa de se beneficiar por meio da beleza daquilo que se desenha, por exemplo, deve ser proveniente de conteúdos estabelecidos, primeiramente, através da relação direta, da troca, da coautoria, de um propósito concreto, do conhecimento teórico ao empírico, recheado por critérios conceituais com objetivo de se resolver problemas de comunicação.

Todo processo de criação deveria se iniciar de forma orgânica, no tato, no olfato, no olhar, na observação, na contemplação, jogando ideias no papel, na busca por uma forma em traços, na leitura da vida. A tecnologia nos acompanha assim como acompanhamos sua presença em nosso dia a dia, e isso é maravilhoso, mas há algo que antecede a materialização daquilo que projetamos, e que devemos nos lembrar a cada manhã: respirar o que existe do outro lado da janela.

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

PIZZA CRUNCHY VR

Nada melhor do que começar 2018 trabalhando com uma marca de respeito. Obrigado Vitor e Ana Laura pela confiança e parceria. Segue algumas peças de apoio desenvolvidas para a loja de Volta Redonda/RJ:

Cardápio



Flyer 


Promo Facebook


Para conhecer a marca visite www.pizzacrunchy.com.br/

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

PROJETO AMARAMAR

Guardo com carinho as lembranças recentes deste projeto, um dos que mais me gerou satisfação ao vê-lo ganhar vida. O trabalho do designer, ao contrário do que muitos pensam, transcende o campo material. Ele aproxima emocionalmente as pessoas envolvidas, gera afeto ao que se está criando numa recompensa imensurável. Foi assim com a Casa de Cultura Amaramar, localizada no Terreirão (Recreio dos Bandeirantes), no Rio de Janeiro.

Desde o início, ao sair do encontro com os idealizadores da casa, Francisco e Lívia, pensamos numa representação que fosse um estado de espírito, mais sentimento do que algo literal. O painel na frente da casa (foto abaixo), desenhado por Francisco, foi inspirador para o conceito. A forma gerada e elevada à símbolo vai de encontro a ele, surge dele. Num pensamento poético, podemos imaginar que uma parte daquela pintura resolveu sair para habitar outros espaços, numa síntese dos sentimentos contidos e expressados ali. 

A forma orgânica, de fato, foi gerada a partir da letra
“a” de amaramar, do seu pleno e sublime movimento. O símbolo insinua, mas ao invés de acabar em si mesma, ela continua, gerando outra forma, que por sua vez continua, voltando ao “a”. Insinua, também, o infinito, a eterna busca. Já nas cores encontramos o mar (azul), o sol (laranja), as árvores (verde) e a alma (roxo), elementos interligados, conectados a essência da casa.


Criamos - num processo de coautoria, como sempre deve ser um projeto - uma marca que remete às curvas da vida, em ciclos que se abrem e se fecham e se abrem novamente, numa busca infinita pelo autoconhecimento, por novos saberes, sempre recheada de muita imaginação!

Obrigado à Daniela Andrade e amigos da Utilità (utilitaonline.com.br), por intermediarem o trabalho; obrigado ao casal Francisco e Lívia, por me permitir fazer parte dessa adorável casa.

Para conhecer o espaço cultural, acesse os links:

Abraços!

SOBRE IMATERIALIDADE, INTERAÇÃO E GAMES

É interessante observar a trajetória do homem em sociedade por meio dos artefatos projetados por ele em diferentes épocas para diferentes fins e como estes modificam e exercem influência no cotidiano. Com o avanço tecnológico e o emprego deste na criação de meios que passaram a facilitar atividades diárias e a promover outras no âmbito cultural e de entretenimento, vemos profundas e intensas transformações atingirem diversos campos do conhecimento na medida em que a relação do homem com seus artefatos transita do mundo material para o imaterial, saindo do experimento para a experiência, evocando aquilo que permeia e caracteriza de forma definitiva os rumos de nossa civilização: a interação.

Desde os idos dos anos 1960, quando Doug Engelbart mostrou ao mundo uma nova forma de interagir com o computador e como esta mudaria nossa maneira de vivenciar o imaterial ao criar um mediador entre as linhas de códigos e o usuário, a interface, e junto a ela um dispositivo que possibilitava movimentos na tela, o mouse, a perspectiva do indivíduo ultrapassara o mero estado inerte da passividade diante de uma fonte emissora de mensagens. Décadas depois, seguimos em direção à novos canais de informação provenientes da inserção do computador na vida cotidiana, seja num passeio por um grande museu virtual ou pelas mídias sociais.

O homem, como agente modificador, como aquele que promoveu intervenções materiais através dos tempos e se transporta para o ambiente imaterial, nunca se viu tão motivado a produzir e compartilhar suas diferentes manifestações – independentemente da área de origem ou do habitat onde residem , sejam elas textuais, imagéticas e/ou audiovisuais. Vemos que o envolvimento com aquilo que se cria não se dá apenas mediante a necessidade prática e imediata do uso ou da natureza da atividade em si, mas também através de uma profunda imersão no campo sensorial.

Em meio a essas manifestações, emerge àquela que vem se modificando e em franca ascensão, participando e alterando significativamente o cenário cotidiano ao promover o encontro da linguagem tecnológica virtual com a artística na construção de artefatos lúdicos, abrindo frentes para novos campos de interatividade, além da atuação profissional e diversos estudos e pesquisas na área da psicologia, da semiótica e da educação. Falamos do mundo dos Jogos Eletrônicos, cuja contribuição ultrapassa a esfera mercadológica ao infiltrar-se na formação do sujeito e na construção de seus valores sociais. São parte inerente do que convencionou-se chamar de cybercultura.

Dos primeiros dispositivos projetados no interior de laboratórios acadêmicos aos games cinematográficos e seus grandes eventos midiáticos; dos arcades e suas fichas, consoles e cartuchos acoplados à TV em frente ao sofá, computadores como dispositivo domiciliar e a flexibilidade proveniente dos portáteis, a trajetória dos jogos eletrônicos se confunde com a própria história da evolução tecnológica da sociedade. Se outrora reduzidos a passatempo com intuito de explorar a capacidade de processamento dos computadores ou a linguagem utilizada pelos programadores da época, hoje são artefatos projetados por equipes multidisciplinares tendo o designer como peça fundamental, cujo propósito é o de provocar sensações no usuário, de permitir uma experiência repleta de simbolismos, representações subjetivas e metafóricas em cenários dignos de produções hollywoodianas. 

Embora estudiosos do assunto, como Guilherme Xavier (2010), critiquem a supervalorização dos "gráficos incríveis com elementos meramente decorativos" aos quais este universo está atrelado atualmente, não podemos deixar de admitir que tal "decoração" exerce um forte apelo no processo de divulgação deste campo e na sedução mercadológica através do qual os potenciais jogadores são submetidos. Compartilho do pensamento de Xavier quando diz que há um "império da narratividade sobre o abstracionismo da experiência", colocando o jogo numa região que inibe a possibilidade de percebê-lo como evento lúdico.

É exatamente neste contexto que reside os paradigmas a serem rompidos no momento em que esta área do conhecimento passa a habitar a esfera acadêmica, e com ela a responsabilidade da universidade, do projeto pedagógico e do docente progressista quanto ao processo formativo do profissional como sujeito autônomo, reflexivo, crítico e competente em sua prática. A relação do educando com o projeto de jogos eletrônicos e da inserção destes na sociedade ganha contornos que transcendem os softwares, as linguagens de programação, os cenários, personagens e contextos, pois o introduz no pensamento científico, elevando seu status para aquele que pensa sua atividade por meio do conhecimento historicamente sistematizado, da construção de novos saberes e da consequente intervenção na realidade.

Trata-se de um campo que lida com liberdades e desejos do usuário, onde permiti-se através dos dispositivos e jogos – sejam estes narrativos (personagens e cenários) ou abstratos (elementos visuais desprovidos de relações teóricas) , que se exerça atividades que por diferentes motivos e circunstâncias não são ou não deverão ser praticadas no mundo material, mas capazes de gerar conteúdo que de fato provoque, promova, influencie e modifique a relação homem-artefato e a consequente experiência do nosso viver em diferentes instâncias sociais. 

Referências:
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GULARTE, Daniel. Jogos eletrônicos: 50 anos de interação e diversão. Teresópolis: Novas ideias, 2010.
JOHNSON, Steven. Cultura da interface: como o computador transforma nossa maneira de criar e comunicar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
XAVIER, Guilherme. A condição eletrolúdica: cultura visual nos jogos eletrônicos. Teresópolis: Novas ideias, 2010.

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

MEMORIAL DE FORMAÇÃO (REVISITADO)



Papel e tesoura
Sempre estive rodeado de papel. Quando criança, ainda sem saber ler, adorava pedir para minha mãe que recortasse os personagens das diversas revistinhas em quadrinhos que viviam espalhadas pela casa. Tio Patinhas, Ziraldo e a Turma do Pererê, Maurício de Souza e a Turma da Mônica são algumas das que guardo com carinho na memória. Com o tempo, passei a ler e a recortá-las também. Talvez seja por isso que tenho uma certa habilidade com tesouras. Fiz muitos ensaios de recorte e colagem no chão da sala de casa. Posso dizer que minha mãe, Dona Cidinha, foi a primeira professora de artes que tive, não por ser uma artista, mas por ter sido participativa, motivadora e cúmplice das minhas aventuras de papel.

Meu quarto era repleto de coleções de livros da Disney e na sala, ao lado do aparelho de som, tínhamos vários discos em vinil com histórias clássicas infantis, como Pedro e o Lobo e o Gato de Botas 
(talvez tenha sido as artes das capas as primeiras a alimentarem meu desejo pelo design gráfico, mesmo sem a mínima noção do que de fato era esse tal de design). Imaginar, através dos contos narrados, foi uma grande escola para despertar e aguçar o desejo pela criatividade. Anos mais tarde, isso se traduziria em boas notas nas aulas, principalmente em educação artística, uma disciplina que me proporcionou momentos de celebridade. Cola, tesoura, cartolina, lápis de cor, giz de cera, foram meus grandes aliados e minha fonte de poder. Por ser muito tímido, através deles eu conseguia admiração e respeito de amigos e professores. Assim como um jogador de futebol se refere à bola como companheira, como aquela que lhe deu um significado na vida, digo o mesmo do papel. Ele me conduziu ao que sou. É, definitivamente, não sou designer gráfico por acaso.

Passeio de fim de semana
Mais velho, porém ainda menino, comecei a admirar super-heróis como Batman e Homem-aranha. E sabe qual era o passeio que adorava fazer? Ir com meu pai, aos finais de semana, a uma banca de jornal (hoje alguma criança sabe o que seria essa tal de banca de jornal??). Entre um periódico e outro, o convencia a levar uma história em quadrinhos. Meu sonho era ter uma banca só para mim. Ainda hoje preservo o mesmo hábito, não mais com tanta frequência na companhia do Seu Pedro, mas se vejo uma e entro, saiba que irei demorar. Se bem que, as bancas que ainda sobrevivem, já não possuem mais tantas coisas assim. Tenho um imenso prazer em comprar graphic novels, ver novas publicações, analisar projetos gráficos, mesmo quando o assunto não desperta tanto interesse. Por mais que a internet ofereça fácil acesso às publicações online, não abro mão de sentir o cheiro da impressão e de uma bela folha de papel. Concordo que tal passeio está com os dias contados mas considero a banca um refúgio, que todo designer deveria fazer uso vez ou outra. Me aproximei tanto deste universo que acabei indo trabalhar numa empresa de comunicação cujo principal produto é uma revista.

Máscaras
Pois bem, chegou um dia que ao invés de recortar os personagens dos quadrinhos, passei a desenhá-los. Se bem que depois acabava recortando para brincar. É verdade, eu brinquei muito com bonecos de papel. Dizia mais ou menos assim: eu posso ter qualquer um, basta desenhar. De figuras conhecidas àquelas que ganhavam vida através da minha imaginação. Cheguei até a vender para os amigos da rua. O comércio ainda se estenderia para outra área: o carnaval. Como viajávamos de Volta Redonda para a casa da minha avó, a saudosa Dona Deuzira, aproveitava aqueles dias de folia para desenhar e vender máscaras de papel numa pequena e pacata cidade do interior de Minas Gerais. Criava os temas, recortava, aplicava o elástico com a ajuda de minha mãe e pendurava os modelos no portão. E não é que eu vendia mesmo! Fazia até por encomenda. Olhando para aqueles dias, vejo que mesmo sem saber como nomear o que estava de fato fazendo, já aplicava os processos que caracterizam a profissão de 'programador visual', já percorria as etapas de um projeto gráfico.

O videocassete, a cartolina e a sala de aula

Quando meu pai comprou nosso primeiro videocassete, passei a gravar os desenhos animados para congelar a imagem e copiá-los. Aquilo para mim foi um dos maiores presentes que alguém poderia ganhar! Sentava no sofá com minha prancheta e ficava horas assistindo, congelando a imagem e desenhando. Era uma realização fascinante poder transportar o que estava na tela para o papel. Naquele momento estava me apropriando da tecnologia pela primeira vez, bem antes de dormir e acordar debruçado em um computador, como faço hoje em dia. Embora seduzido (e abduzido) pelo mundo da tv e suas possibilidades, também criava times de futebol de cartolina e ainda organizava campeonatos no tapete da sala, além de desenhar e montar carrinhos (o veículo dos ghostbusters, clássico filme dos anos 80, é inesquecível para mim). Ainda nos tempos de colégio, desenhava os títulos dos cartazes e capas dos trabalhos da turma. O engraçado é que quando a professora os recolhia, todos, ou quase todos, tinham as mesmas características: letras desenhadas à mão. Mantive uma relação com a tipografia, disciplina importantíssima no currículo do curso de programação visual, à qual só fui ter conhecimento, entendimento e contato muitos anos depois.

Das réguas e compassos ao Rio de Janeiro

Neste encontro comigo mesmo, vejo que a base de minha formação intelectual e profissional foi toda desenhada ao longo de uma saudável vida provinciana. E por pouco não tomei outro rumo, quando ingressei no ano de 1996, na faculdade de Engenharia Civil de Volta Redonda. Por quatro anos me vi engessado, em meio a réguas e compassos, período em que me distanciei da raiz. Eu diria um abandono significativo. Enquanto agradava a muitos, sentia um enorme vazio, que crescia intensivamente. E foi numa tarde qualquer, no meio de uma aula, talvez Hidráulica ou Resistência dos Materiais, que subitamente fechei o caderno, me levantei e saí, para não mais voltar. Seis meses e um vestibular depois, em fevereiro de 2000, este 'desertor' desembarcava no Rio de Janeiro para iniciar os estudos numa área do conhecimento que sempre esteve presente, mas que enfim ganharia oficialmente um nome: desenho industrial, com habilitação em programação visual.

Apesar da fase improdutiva, sob o ponto de vista profissional, durante a caminhada pela Engenharia Civil, em momento algum a encaro como uma grande perda de tempo. Pelo contrário, atribuo à estes anos o início do meu amadurecimento como indivíduo em constante formação. Mais de dez anos depois vejo que 'viver academicamente' está muito além da carreira desejada. E aqueles quatro anos foram, de fato, importantes para o processo contínuo de construção deste 'ser'. Paulo Freire (1996, p. 53) nos diz que:

(...) percebo afinal que a construção de minha presença no mundo, que não se faz no isolamento, isenta da influência das forças sociais, que não se compreende fora da tensão entre o que herdo geneticamente e o que herdo social, cultural e historicamente, tem muito a ver comigo mesmo.

A herança que carrego em mim

Carrego uma herança tão rica que ao direcionar o olhar para minha trajetória, vejo claramente que o que sou é fruto das experiências proporcionadas pelos meus pais e da liberdade que me deram para continuar experimentando. E são as figuras de meu avô e de meu pai que mais vejo no retrovisor. Ambos percorreram jornadas intensas em busca de condições favoráveis a si e aos que os cercavam. Se hoje estou aqui, tendo o privilégio de me expor através dessas linhas, devo isso aos dois. O primeiro, um clássico homem do campo, e o segundo, a materialização do que é ser um 'trabalhador', do que é 'viver o trabalho'. Posso dizer que fui educado pelo trabalho antes mesmo de ter um. O uniforme empoeirado, o rosto sujo e marcado pelos longos turnos, as greves, os dias que se transformavam em noites, as crises, os conflitos, as histórias e os momentos de prazer e vitória ao ver que a empresa, a gigantesca CSN de Volta Redonda, prosperava. E com ela, a nossa família.

Concluo com outro pensamento de Paulo Freire (1996, p. 19), quando este diz que: 

(...) somos seres condicionados mas não determinados. Reconhecer que a História é tempo de possibilidade e não de determinismo, que o futuro, permita-se me reiterar, é problemático e não inexorável.


Referência:
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.


*Texto originalmente escrito no curso de 'Pós-Graduação em Docência no Ensino Superior' (Estácio-RJ) para a disciplina 'Educação, Trabalho e Inovações Tecnológicas', ministrada pelo Professor Renato Dornellas. Adaptado e revisitado (2017) para o blog.